O supremo arrebatamento da odisseia de grandes eventos do Rio se deu bem no finzinho da cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos. A voz que está tatuada na alma dos brasileiros surgiu de surpresa para encher o estádio/templo, na apresentação impecável de “É preciso saber viver”. Nunca houve momento tão incrível. O cantor-emblema reencontrou-se com o povo que o cultua e reinaugurou sua carreira, mostrando-se, pela primeira vez, humano. Um espetáculo.
Como se diz hoje em dia, #sóquenão.
[g1_quote author_name=”Roberto e Erasmo Carlos” author_description=”É preciso saber viver” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Quem espera que a vida
Seja feita de ilusão
Pode até ficar maluco
Ou morrer na solidão
É preciso ter cuidado
Pra mais tarde não sofrer
É preciso saber viver
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Veja o que já enviamosPorque somente a monumental celebração aos superhumanos da noite do feriado no Maracanã consegue superar a oportunidade que Roberto Carlos jogou fora. A maior marca da música brasileira desperdiçou a chance de reinventar seu personagem, ao virar as costas para a festa paralímpica, e deixar para Seu Jorge (excelente, registre-se) o privilégio de entoar a canção. Foi lindo – só para ratificar a certeza da apoteose inesquecível que seria, na voz do autor (como você pode conferir no vídeo abaixo).
“Quem espera que a vida/ Seja feita de ilusão/ Pode até ficar maluco/ Ou morrer na solidão/ É preciso ter cuidado/ Pra mais tarde não sofrer/ É preciso saber viver”, ensina a linda composição de Roberto com o “amigo de fé, irmão camarada” Erasmo Carlos. A coluna Gente Boa, d’o “Globo”, revelou, meses atrás, que o cantor liberou a obra, mas recusou o convite dos organizadores para estrelar a cerimônia de abertura.
No bojo da ideia, estava, por óbvio, o fato de Roberto Carlos ser um portador de deficiência. Em 29 de julho de 1947, quando tinha apenas seis anos, ele perdeu a parte inferior da perna direita, ao ser atropelado por um trem em Cachoeiro do Itapemirim, sua cidade natal. Não há ser humano sobre a Terra, que conheça Roberto Carlos e não saiba da história trágica. Gerações de brasileiros acostumaram-se, Natal sim Natal também, a observá-lo entrar pela sala, via televisão, manquitolando discretamente, graças à ajuda de uma prótese. Ao longo dos anos, mudaram (pouco) as roupas, mudou (menos ainda) o repertório. Ficaram o cabelo, o andar – e a devoção da plateia formada por (quase) um país inteiro.
Por tudo isso, agora, o astro errou feio, errou rude. Seria ótimo para o Brasil, e maravilhoso para ele, aos 75 anos, permitir-se surgir humano, simplesmente, diante dos fãs. Não precisaria mostrar a prótese, exibir a limitação, nada disso. Sua simples presença preencheria de nobreza o evento da inclusão e materializaria o prodígio de torná-lo ainda mais amado. Inclusive, a médio prazo, renderia mais dinheiro. Faltaram a sensibilidade e o senso de oportunidade que marcam sua trajetória.
Além de ratificar como o Brasil não deu sorte com seus reis. O de nossa outra paixão manteve-se ao largo de todos os megaeventos esportivos que aconteceram por aqui. A Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 aram sem que a imagem ultraconhecida de Pelé surgisse neles, um instante sequer. O maior jogador de futebol de todos os tempos vestiu a camisa 10 do time da reclusão.
Antes das Olimpíadas, circulou a informação que ele teria a missão de acender a pira no Maracanã. Réquiem merecido para o autor de insuperáveis (para todo o sempre) 1.281 gols, personalidade mais conhecida da história brasileira, protagonista de nossa melhor era esportiva. Mas, depois que parou de jogar, Pelé enveredou numa espiral corporativa, a ponto de ser quase impossível encontrar uma imagem pós-futebol na qual não esteja embrulhado num terno. (Um raro momento se deu na fugaz aparição com a tocha, em Santos, na sacada do museu que conta sua história, na noite da sexta-feira 22 de julho. O Rei vestia o uniforme dos condutores do fogo olímpico. E só.)
Como Roberto, ele mergulhou numa viagem de não ser humano. Pessoas próximas descrevem uma obsessão em manter o peso dos tempos de atleta – não pela virtuosa busca de saúde e bem-estar, mas como preservação da imagem. A recuperação de uma cirurgia foi, aliás, o pretexto especulado para declinar da missão olímpica. O Rei do Futebol não quis deixar que o mundo o visse convalescente, fragilizado – humano, portanto. Perdeu a oportunidade de fazer como Muhammad Ali, a lenda do boxe que acendeu a pira nos Jogos de Atlanta/1996 toureando o Mal de Parkinson em estágio avançado. Produziu imagem incrível, que aumentou o culto em torno de seu personagem. (No Rio, a missão acabou muito bem executada por Vanderlei Cordeiro de Lima, outro herói do nosso esporte.)
Pena. Unidos em se manter distantes do povo que os ama inegociavelmente, Roberto Carlos e Pelé terminam como os maiores derrotados. Poderiam ser gigantes ainda maiores – mas insistem em se apequenar. Ou, como reza a canção:
Numa flor que tem espinhos
Você pode se arranhar
Se o bem e o mal existem
Você pode escolher
É preciso saber viver
Grande texto!!! Perfeita colocação! Estava justamente pensando nessa coisa maluca das pessoas quererem se mostrar acima das nossas humanas mazelas e vulnerabilidades. Valeu!
Procurem saber porque o Roberto Carlos não se apresentou , antes de crítica – lo.
Belo texto, Aydano. A vaidade é algo que só faz mal.
Texto perfeito!!!! Incrível como vc se expressou bem e chamou a atenção de como nossos ídolos não estão focados em agradar o seu público!!! Enquanto isto, Paul McCartney em Londres, Mohamed Ali em Atlanta e tantos outros que valorizam a posição onde estão. E se a questão era engordar o bolso, perderam uma oportunidade de serem ainda mais conhecidos e acalmados no restante do mundo!
Não julgo…tenho meu modo de pensar!
Parabéns Aydano. Textos como esse é que nos ajudam na reflexão de nós mesmos até porque, todos nós cultuamos e muitos de nós se inspiram nesses idolos e até se identificam com eles através da sua arte como Roberto Carlos, ou como no caso do exporte em que Pelé é o ATLETA DO SÉCULO, e que nesse caso a sua ausência da Copa, da Olimpíada, e da Paraolimpíada foi pior que o Rei Roberto visto que este, ainda autorizou sua cancão ” É PRECISO SABER VIVER ” mas no caso de Pelé, o problema sempre foi o Edson quando ele parou de jogar, rsrsrs. Abs.
Respeito sua opinião sobre o Pelé e Roberto Carlos, mas me permita discordar dela, nesse caso, julgar o indivíduo sem empatia pelo julgado, sem conhecer suas razões é, para mim na origem, julgamento parcial. Já que fez citação a canções, menciono outra de outro mestre, Djavan: “Só eu sei as esquinas porque ei.. Só eu sei.”
Há motivos subjetivos, de ordem psíquica, muitas vezes. Por esse motivo , julgar fica difícil.
Seria , é verdade, uma apoteose dentro da apoteótica abertura dos Paraolímpicos. Quem pode entender, com precisão, a alma humana? Aproveitemos, somente os pontos positivos dela.
SÃO APENAS DUAS PESSOAS, EGOCENTRICAS, QUE ALGUNS INTITULAM-SE DE REIS.NO BRASIL TEM MUITOS. ROBERTO CARLOS UM REI ALHEIO AO QUE SE A NO BRASIL,SEMPRE EM CIMA DO MURO, EGOISTA AO EXTREMO. PELE, UM ATLETA QUE FOI TÃO BOM QUANTO GARRINCHA. ESTE SIM DE CARATER DUVIDOSO, NÃO É EXEMPLO PRA NINGUEM. NA BALANÇA PESAM IGUAIS.