ODS 1
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Veja o que já enviamosA Praça da Cruz Vermelha e o Centro do Rio que pede socorro
Em área considerada de interesse cultural e histórico, dezenas de imóveis, muitos centenários, estão abandonados, degradados e ameaçando ruir
No fim de março, o desabamento de um casarão quase centenário perto da Central do Brasil causou a morte de um homem atingido pelos escombros. Duas semanas antes, outro casarão antigo desabara perto da Praça da Cruz Vermelha, também no Centro do Rio. Naqueles três primeiros meses de 2025, a Defesa Civil Municipal já recebera mais de 600 chamados sobre imóveis ameaçando ruir – a maior parte, casarões antigos e abandonados, na histórica área central do Rio de Janeiro, coração da cidade nos tempos do Brasil colônia, no Império e na primeira metade do século ado.
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São muitos pontos do Centro do Rio com sobrados e casarões em ruínas: levantamento da prefeitura em 2023 apontou pelo menos 160 imóveis aparentemente abandonados e com estruturas ameaçadas; o grupo SOS Patrimônio contabilizava, agora em 2025, entre 600 e 750 imóveis em péssimas condições de conservação na região central do Rio. Após os debates suscitados pela tragédia de março, a Prefeitura do Rio lançou, em maio, um programa para a recuperação de imóveis degradados e abandonados no Centro, que prevê desapropriações e outros instrumentos para viabilizar a reforma de casarões antigos – alguns tombados – e outras edificações.

O lançamento foi na sede do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Rio (Sinduscon-Rio), na região da Praça da Cruz Vermelha – o prefeito Eduardo Paes disse ter escolhido o lugar por ser um sobrado centenário e bem conservado (podia ter acrescentado que precisa da parceria das empresas do setor para o programa). Mas a sede do sindicato patronal, efetivamente bem conservada, contrasta com a grande parte dos imóveis nesta região do Centro do Rio, entre o Campo de Santana, palco das festas de aclamação dos imperadores do Brasil no século 19, e a Lapa. Nas ruas que cruzam ou desaguam na redonda Praça da Cruz Vermelha, há menos de 200 metros da sede Sinduscon, há dezenas de imóveis degradados, com aspecto de abandono, alguns servindo de moradia precária em casas sem luz ou água.
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Veja o que já enviamosAs ruas Mem de Sá, Henrique Valadares, Carlos Sampaio e Vinte de Abril, que se cruzam na praça, e as vizinhas Carlos de Carvalho, Washington Luís, Ubaldino do Amaral, e a própria Rua do Senado abrigam essas ruínas dos tempos, na virada do século 19 para o século 20, quando a região foi urbanizada a parte do desmonte do Morro do Senado, que ficava exatamente onde hoje está instalada a Praça da Cruz Vermelha. A terra do morro foi usada na ampliação do Porto do Rio; a área aberta pelo fim do monte foi ocupada por sobrados e vilas – o formato redondo da praça era uma tendência daquele início de século. E ali foi construído, com a fachada em curva, acompanhando o desenho da praça, o Hospital da Cruz Vermelha, uma imponente construção que acabou por batizar a própria praça.

Pouco mais de um século depois – o hospital foi inaugurado em 1923 – e apesar de toda a região fazer parte da Área de Proteção do Ambiente Cultural (Apac) da Cruz Vermelha, caminhar pelas redondezas serve para fazer um inventário de imóveis em ruínas, mais uma parte da cidade que precisa de socorro. A praça é ocupada, a maior parte do tempo, por pessoas em situação de rua que usam bancos e aparelhos de ginástica para dormir e descansar e penduram roupas nas grades que circundam a estátua de Ana Néri. Moradores da vizinhança reclamam dos incômodos vizinhos e da iluminação precária da praça e de seu entorno.
Ao redor da praça, há pelo menos dois imóveis aparentemente abandonados. Não há mais hospital na sede da Cruz Vermelha no Rio e apenas parte das instalações é utilizada para cursos e outras atividades – a fachada do prédio, tombado pelo Patrimônio Histórico, está pichada e degradada; a direção local da instituição vem ando por seguidas intervenções, motivadas por problemas de gestão, pela Cruz Vermelha brasileira. O movimento da praça é garantido pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), joia do SUS, que atende mais de 200 mil pessoas todos os anos em seu hospital no prédio de 11 andares, na Praça da Cruz Vermelha, onde trabalham mais de duas mil pessoas.

É este movimento, inclusive, que garante o funcionamento até a noite do bar e restaurante Vieira Souto, que serve comida boa a preços honestos há pelo menos 30 anos, quando trabalhei nas redações dos jornais O Globo e O Dia, não muito longe dali – na semana ada, a costela com agrião e batata estava ótima e a cerveja Serramalte adequadamente gelada.
Restaurar imóveis em ruínas do Centro do Rio é um objetivo nobre e as iniciativas do prefeito Paes para recuperar o Centro do Rio em suas quatro gestões devem ser reconhecidas – a demolição da Perimetral, a renovação da Zona Portuária, os projetos Reviver em andamento para trazer moradores para a região e ocupar com projetos culturais imóveis fechados, a tentativa de fazer uma rua da Cerveja na Rua da Carioca. Vamos torcer para que o este novo programa – Reviver Centro Patrimônio Pró-APAC – tenha algum sucesso e, pelo menos, vá em socorro das vizinhanças da Praça da Cruz Vermelha, onde foi lançado.
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